Estão sempre dois. Dois vigilantes numa ilha do tamanho de 20 campos de futebol. A Selvagem Pequena só é habitada no Verão. No Inverno não se consegue desembarcar numa das duas ilhas oceânicas mais a Sul de Portugal.
Sandro Correia e Ricardo Cabral são vigilantes do Parque Natural da Madeira. Fizeram o curso juntos. Nove anos depois voltam a encontrar-se no trabalho e isso deixa-os muito satisfeitos.
Sandro Correia tem 32 anos. Há quem lhe chame o Chuck Norris das Selvagens. Os olhos azuis escondem um homem reservado, de poucas falas, mas pronto a disparar sorrisos com a suavidade que o isolamento desejado adocica. Sandro gosta de estar três semanas sem telemóvel, sem internet, sem jornais, fechado na ilha. A televisão liga-os ao mundo. O botão "on/off" do aparelho tem aqui uma importância diferente. Tudo é diferente aqui.
As comunicações fazem-se via rádio com a Selvagem Grande. Caso falhe e os vigilantes estejam com problemas, o farol do Pico do Veado é tapado (trata-se do ponto mais alto da ilha, com 49 metros de altitude). Será a última tentativa de enviar um SOS.
Água canalizada potável não há. Casa de banho também não. A electricidade é produzida por painéis solares. O lixo é levado pelo barco patrulha. E até a barba é feita num espelho redondo e partido colocado numa das paredes de madeira da única infra-estrutura que existe na Selvagem Pequena: a casa dos vigilantes.
É impossível não querer espreitar. Duas camas individuais encostadas à parede. Uma cozinha pequena. Um balcão. Algumas prateleiras. Loiças e tachos à vista. Um frigorífico (sempre abastecido de minis). Um leitor de CD. Uma televisão. E está feita a descrição. O resto são sensações. Acolhedor de dia. Lúgubre à noite. Um magnífico pôr-do-Sol. Uma escuridão temerosa. E aquela constante brisa do mar.
Para completar o cenário faltam as piadas de Ricardo Cabral. Ora são anedotas, ora trocadilhos inventados no momento. Uns atrás dos outros. Ricardo acorda e, enquanto arruma o sono e prepara o pequeno almoço já está disperto para fazer rir. Sandro acompanha soltando sorrisos.
Quando têm visitas (o que só pode acontecer com autorização do Parque Natural da Madeira) trajam como manda a entidade patronal. Sempre que a única presença humana são eles vestem-se como a natureza determina. Quentes no frio. Frescos quando os abrasadores ventos de África trazem as areias do Deserto do Sahara.
As duas ilhas pertencem à “Rede Natura 2000”, ou seja, são zonas onde se está obrigado a conservar os habitat e as espécies selvagens. As Selvagens são um paraíso de nidificação para as aves marinhas. A Pequena está, por agora, cheia de ninhos dos Calcamares.
É uma ave que voa calcando o mar. Endémica da Macaronésia, o Calcamar nidifica em solos arenosos onde escava profundos ninhos. O chão da Pequena foi tomado pelos Calcamares. Sair dos poucos trilhos que existem é, muito provavelmente, esmagar alguns ovos com os pés. Tal como as outras aves marinhas, o Calcamar coloca um único ovo e o juvenil só se reproduz pela primeira vez vários anos depois.
As aves não estão sozinhas. O homem está. Na Selvagem Pequena ainda mais que na Grande. Mas da Grande prometo contar-vos tudo em breve.
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