2 de maio de 2009



A Zona Económica Exclusiva -

Um Modelo de Gestão


Por: Almirante Alexandre da Fonseca

  1. PRÓLOGO

Queria começar por agradecer à Comissão D. Carlos-100 anos, a oportunidade que me dá de aqui estar, não só para vos falar sobre a Zona Económica Exclusiva, mas também para aprender com tantos especialistas nas temáticas do Mar, aqui em boa hora reunidos, e para o fazer na nossa língua materna.

  1. INTRODUÇÃO

A opinião pública associa a Zona Económica Exclusiva, a ZEE, a uma vasta extensão de mar, que nos pertence, inexplorado, e contendo inesgotáveis riquezas. Esta percepção, não sendo totalmente incorrecta, peca contudo, por ser algo exagerada. As ZEE's são vastas áreas de mar que em costa aberta se estendem das praias até às 200 milhas náuticas, e que no caso português, devido aos Açores e à Madeira, têm uma área 18 vezes superior à terrestre. O estatuto da ZEE não é bem conhecido. Enquanto as águas interiores se equiparam à terra firme e nas águas territoriais apenas há que conceder a "passagem inofensiva" à navegação, a ZEE é uma porção do "alto mar" onde a exploração dos recursos económicos é reservada ao estado costeiro, com as limitações que derivam de direitos de outros. Assim, dizer que a ZEE " nos pertence" induz a ideia da existência de uma soberania, que não corresponde à realidade.

A investigação científica envolve já recursos significativos, mas face à vastidão dos oceanos, à complexidade do meio, às limitações da tecnologia e aos custos associados, existem ainda muitas áreas por explorar. Há mesmo quem refira que  se conhece melhor a face visível da Lua que os fundos do mar...

As riquezas que a ZEE contém são certamente finitas, como a investigação científica claramente nos diz. Daqui resulta o imperativo de introduzir critérios de sustentabilidade na exploração do mar. De resto, muitas destas riquezas serão apenas potenciais, pois a sua exploração não é ainda possível, nem viável.

No que respeita aos recursos vivos, a produtividade do mar está longe de ser uniforme: certas zonas, de fundos baixos, favorecidas por correntes, possuem importantes pesqueiros, outras não passam de vastos desertos...

Porém, se há oportunidades, há também responsabilidades. Importa não esquecer os deveres do estado costeiro- o combate à poluição por ex.- que se traduzem em custos, bem como o facto de que os espaços vazios tendem a ser ocupados, por quem tem mais meios e capacidades. Não basta ter direitos, hverá que exerce-los e quando não existir capacidade autónoma, poder-se-ão negociar parcerias.

Uma gestão eficaz da ZEE implicará assim: definir os seus limites, conhecer as suas potencialidades, possuir um modelo de "governança", dispôr de capacidade empresarial e de tecnologia, fomentar uma aitude de preocupação com a sustentabilidade e edificar um sistema de fiscalização.

  1. OS LIMITES DA ZEE

A convenção de Montego Bay, na Jamaica, fechou os trabalhos da III Conferência das Nações Unidas  sobre o Direito do Mar , iniciados em 1973. Tratou-se de uma conferência de negociação e de codificação, com a participação de mais de cento e sessenta estados. Ao longo de oito anos formaram-se consensos que culminaram na votação do texto definitivo em Abril de 1982. Contudo, a convenção só entrou em vigor após a sexagésima ratificação, em 1994. De qualquer forma, a doutrina da convenção passou, desde 1982, a regular estes assuntos. Portugal ratificou esta convenção em 1997.

De acordo com os artigos 13º e 74º, o limite exterior da zona económica não excederá as duzentas milhas contadas a partir das linhas de base utilizadas para medir o mar territorial, devendo a delimitação entre estados com costas adjacentes, ou  frente a frente, ser feita por acordo entre eles. Ou seja, a partir da linha mediana, equidistante entre o território dos dois estados, negoceiam-se as correcções necessárias para assegurar " equidade" na delimitação; contudo "equidade" é algo de subjectivo...Talvez ainda mais complicado seja o regime das ilhas. O artigo 121 estipula " os rochedos que por si próprios não se prestam à habitação humana, ou à vida económica, não devem ter zona económica, nem plataforma continental"; terão apenas águas territoriais. Esta disposição tem sido, naturalmente, motivo de abundante controvérsia.

O Estado Português, através da lei nº 33/77, fixou os limites do mar territorial em doze milhas e estabeleceu uma zona económica de duzentas milhas. Foram criadas três sub-áreas na ZEE - Continente, Açores e Madeira - e foi referido que, enquanto não existirem acordos com os estados vizinhos, os limites da ZEE não vão além da linha mediana. Curiosamente, não foi então considerada uma "zona contígua" para efeitos de fiscalização, só instituída em 2006.

Também não foram ainda estabelecidos acordos com Espanha e Marrocos. Com Marrocos não se têm registado dificuldades. Já com Espanha, a delimitação no rio Guadiana e no rio Minho segue a linha mediana, uma linha curva, o que traz dificuldades na fiscalização das actividades fronteiriças e já tem originado alguns incidentes. O problema maior contudo, está a sul da Madeira, nas ilhas Selvagens, que Espanha entende não gerarem zona económica. Aqui também já ocorreram alguns incidentes de pesca, fruto da ambiguidade das jurisdições. Acordos na delimitação da ZEE com Espanha e Marrocos, se politicamente possíveis, sem dúvida clarificariam a situação.

A plataforma continental e a sua extensão mereceria certamente aqui algumas palavras, mas será objecto de uma comunicação do Professor Pinto de Abreu, pelo que me abstenho de a abordar.

  1. A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Para tomar decisões acerca de um assunto é necessário conhece-lo; assim, conhecer a ZEE deverá ser uma prioridade. A investigação do mar é um objectivo estratégico para um estado costeiro e deverá ser objecto de planeamento e programação e deverão ser-lhe atribuídos recursos financeiros suficientes. A investigação exige cientistas que é preciso formar, especializar e radicar entre nós. Sabemos que não é fácil, pois há uma tendência natural destes para emigrarem para onde possam trabalhar em melhores condições, tendência esta acentuada pela atitude de algumas instituições de países desenvolvidos que procuram aliciar os melhores talentos. Reforçam assim as suas capacidades e impedem outros de crescer.

Sabemos também que a investigação não é hoje uma actividade isolada: é feita em equipas, em laboratórios, necessita equipamentos, bibliotecas e acesso a redes de informação científica. Só assim, num ambiente propício, se encontram sinergias e a Ciência avança, não esquecendo que os resultados só aparecem ao fim de muito trabalho e de algum tempo.

A evolução tecnológica traz-nos equipamentos cada vez mais caros e sofisticados, necessitando de navios mais diferenciados e de maiores dimensões. A sua operação implica uma logística específica, com realce para a manutenção dos respectivos equipamentos. O moderno navio oceanográfico é uma plataforma muito dispendiosa, quer em termos de aquisição, quer de operação, fazendo todo o sentido que a sua utilização seja cuidadosamente programada. A Marinha Portuguesa dispõe de dois navios - o D. Carlos I e o Almirante Gago Coutinho - relativamente modernos, que têm vindo a ser equipados com sistemas de alta tecnologia. Por outro lado, muitas universidades portuguesas têm já centros de investigação dirigidos para o mar.

Julgo que neste âmbito existem amplas oportunidades de cooperação em língua portuguesa e assinalo que uma das plataformas de eleição para essa cooperação, um dos navios hidro-oceanográficos portugueses se chama, premonitoriamente, D. Carlos I.

  1. A "GOVERNANÇA" DA ZEE

Considerando a vastidão da ZEE poderíamos ser levados a pensar que nela cabem todos, e todas as actividades, simultâneamente. Mas não é assim. A maioria das iuniciativas tendem a concentrar-se  perto da linha da costa, na zona da plataforma continental. Esta zona tem na ZEE do continente uma largura variável, entre as seis e as vinte e cinco milhas, mas é quase inexistente nos Açores e na Madeira.

As actividades passíveis de ocorrer na ZEE são muitas e variadas. Irei lista-las de forma aleatória, e com a certeza de que terei esquecido algumas: o transporte marítimo, os fundeadouros, as actividades portuárias e as marinas, os cruzeiros turísticos, as actividades de recreio, os desportos náuticos, a conservação da natureza e da biodiversidade, a observação de aves e de cetáceos, a  arqueologia subaquática, os diversos tipos de pesca comercial e a pesca lúdica, a aquicultura e os recifes artificiais, a energia eólica "off-shore" e a energia das ondas, a recolha de algas e de fármacos, a prospecção e extracção de recursos geológicos, a passagem e a amarração de cabos submarinos e de oleodutos, a investigação cientifica e tecnológica, os exercícios militares, a biotecnologia, etc.

Torna-se assim, necessário, possuir um modelo político de "governança" da ZEE, que arbitre de modo isento, com oportunidade e eficácia, os conflitos entre estas múltiplas actividades.

A ZEE apresenta-se como algo de transversal,  que interessa a diversos Ministérios; não fará portanto sentido, criar um Ministério do Mar, como já existiu entre nós, sem êxito.

O modelo de " governança" mais interessante talvez seja o francês, que se articula em dois níveis: o do Governo central e o da Administração local. A nível de Governo, existe um Conselho de Ministros especializado, que reune periodicamente; um Secretário-Geral prepara as agendas, acompanha os trabalhos e segue a execução das decisões, tendo acesso directo ao Primeiro- Ministro, que é mantido ao corrente da evolução dos diversos assuntos. A nível local existem os " Prefeitos Marítimos" na dependência directa do Primeiro- Ministro, com autoridade de coordenação das respectivas áreas. Os "Prefeitos Marítimos" são simultaneamente os Almirantes Comandantes Navais, e dispõem nos respectivos Estados- Maiores de representantes das agências estatais, que operam meios no mar.

O modelo português em vigor é muito recente; assim, foi criada uma "Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar" presidida pelo Ministro da Defesa e foi aprovada em fins de 2006  a " Estratégia Nacional para o Mar". Por outro lado, a "Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar" criada em 2005, viu as suas atribuições redefinidas no sentido de apoiar aquela Comissão Interministerial. O Secretário de Estado da Defesa e dos Assuntos do Mar tutela esta organização e dispõe ainda de um "Forum Permanente", composto por elementos eleitos e representantes do Estado. A nível local existe a Autoridade Marítima Nacional, acumulando funções com a chefia do Estado Maior da Armada, com poderes de coordenação. Este modelo tem ainda o benefício da dúvida, só sendo razoável avaliá-lo dentro de algum tempo, mas não escondo que gostaria de nele ver um envolvimento directo do Primeiro- Ministro.

De assinalar na Estratégia Nacional para o Mar, o objectivo de promover a ideia da centralidade atlântica de Portugal, afirmando-o comoo País Marítimo da Europa.

Aliás, Portugal foi já recentemente um contribuinte valioso na redacção do "Livro Verde" da Política Marítima da União Europeia.

Recorda-se ainda, que em 2006, foi possível dar início à instalação em Lisboa da Agência Europeia de Segurança Marítima.

  1. A EXPLORAÇÃO DA ZEE

A recolha das riquezas da ZEE implica a existência de capacidade empresarial, de capitais e do domínio da tecnologia adequada. Existem perspectivas de lucros, bem como de muitos empregos qualificados. A criação de uma rede de empresas de apoio e de serviços, um "cluster" marítimo- na feliz acepção de Michael Porter-  permite optimizar os ganhos económicos. Contudo, os empresários não se criam por decreto, e nem sempre existem capitais, nem tecnologia disponível.

Haverá que progredir pela estratégia dos pequenos passos, fazendo desde já aquilo que se sabe fazer bem e para o que existem recursos. Em seguida, ir alargando a área de intervenção, à medida que se vai consolidando a operação das actividades em curso.

Neste âmbito haverá, seguramente, espaço para parcerias e concessões. Não podemos no entanto esquecer, que as empresas visam o lucro; as parcerias e concessões deverão por isso, ser definidas com precisão e a operação dessas empresas terá de ser acompanhada de perto. São assim necessários técnicos especializados, quer para redigir os contratos, quer para velar pela sua execução, que nem sempre existem, na quantidade e com o grau de diferenciação necessários. Abre-se deste modo, outra área de cooperação em língua portuguesa, no âmbito da consultadoria, tirando partido do "know-how" entretanto adquirido por algumas empresas dos nossos países.

  1. A ECOLOGIA E A SUSTENTABILIDADE

Os recursos do mar, os recursos existentes na ZEE, são finitos, como já dissemos. Por outro lado, os oceanos desempenham uma função determinante na regulação do clima do planeta, não só directamente, transferindo calor, como também indirectamente, através da absorção do dióxido de carbono. A poluição com origem em terra constitui mais de 75% da poluição total do mar, produzida pelo Homem, designadamente os efluentes industriais, urbanos e agrícolas, não tratados. A eutrofização é uma consequência, pelo excesso de nitratos, fosfatos e sulfatos, originando a proliferação de algas. Estas, ao entrarem em decomposição, tornam a água pobre em oxigénio, provocando a consequente morte dos peixes. O fenómeno assume importância em certas regiões, como o Mediterrâneo, e está em expansão. A poluição com origem no mar, está ligada à navegação ( derrames acidentais de hidrocarbonetos e descarga das águas de lastro) e à exploração "off-shore" de petróleo e gás. A Convenção de Montego Bay abordou este tema, assinalando ser uma obrigação dos Estados, proteger e preservar o meio marinho.

Fomentar uma atitude de preocupação responsável com a sustentabilidade e a ecologia, prevenindo a poluição e garantindo recursos para as gerações vindouras, será assim algo que o bom-senso e a ética nos mostram ser necessário. Mas não bastam as boas intenções; os estados costeiros têm de promulgar legislação, divulgá-la, detectar as infrações e puni-las.

Será no entanto na alteração das mentalidades que mais se terá de investir: nas escolas e na opinião pública, passando as mensagens adequadas e criando uma atitude de preocupação responsável com os mares. Levará o seu tempo, mas é certamente mais eficaz do que apenas medidas repressivas.

  1. A FISCALIZAÇÃO

Já referimos atrás que não basta declarar direitos sobre a ZEE. Torna-se necessário exercê-los.

Os estados costeiros necessitam ter um sistema de fiscalização, harmónico e equilibrado, que se aperceba em tempo do que ocorre na ZEE, que disponha de vectores de intervenção para localizar e apresar os infractores, e dispositivos legais para os punir.

A prioridade será "conhecer", aperceber-se do que se passa na ZEE, conceito que a NATO baptizou como "Maritime Situation Awareness". Trata-se de estabelecer centros de fusão e correlação da informação, recolhendo tudo o que se relaciona com uma determinada área. Existe um manancial de informação disponível mas que é necessário tratar. As capacidades dos computadores e a tecnologia trazem-nos ferramentas muito úteis neste âmbito. As entradas e saídas dos portos, a informação dos armadores e da "busca e salvamento", os avistamentos e detecções das nossas unidades, a informação de radares costeiros, cadeias VTS e AIS, informações de países vizinhos ou de organizações militares e policiais, tudo deverá ser fundido por forma a obter-se um panorama tão completo quanto possível. A recolha de informação através de satélites é bastante útil, embora tenha custos significativos, admitindo-se ainda nesta actividade o emprego de "RPVs", aviões telecomandados, num futuro próximo.

Os navios, embora possam executar patrulhas aleatórias e procurar os seus próprios alvos, têm um emprego optimizado se forem utilizados de modo reactivo, ou seja, se o comando em terra com base na "Maritime Situation Awareness" lhes der orientações para a fiscalização.

A Marinha Portuguesa inaugurou recentemente o centro de Operações da Marinha, "COMAR", onde se encontram localizados simultaneamente, o Centro de Coordenação de Busca e Salvamento de Lisboa e o Comando das Operações Navais. Este centro está instalado fisicamente em Oeiras junto do "Joint Headquarters Lisbon" da NATO, com quem partilha informação. O objectivo é assegurar a gestão da informação relevante, que posicione o decisor operacional num estado de "superioridade de informação", habilitando-o assim a tomar a melhor decisão. A Marinha tem ainda um projecto em desenvolvimento, designado por SADAP, que assegurará a troca semi-automática de informação do panorama de superfície entre o COMAR e as unidades navais.

Os vectores de intervenção naval são as embarcações e os navios. É desejável que exista um "mix" harmonioso de plataformas com características e capacidades de sustentação diferentes, por forma a optimizar a eficácia e o custo da fiscalização. De assinalar, o recente aparecimento no mercado de embarcações semi-rígidas de médias e grandes dimensões, rápidas e bem equipadas, que com bom tempo têm um raio de acção muito grande e que constituem uma razoável capacidade de fiscalização. Nao será ainda de excluir a utilização de embarcações de pesca ou comércio, montando-lhes armamento ligeiro e com elas executar fiscalização.

Os vectores de intervenção aérea são os helicópteros e os aviões de asa fixa. Estes estão vocacionados para detectar e identificar os contactos e contribuir para o panorama de superfície. Podem também identificar infractores, obter provas fotográficas, alertar os navios de superfície e apoiar as intercepções. Os helicópteros são meios muito versáteis mas com um raio de acção limitado e custos de operação elevados. O seu emprego preferencial é nas actividades de "busca e salvamento".

Porém, não basta apresar o infractor; torna-se necessário levá-lo aos tribunais e obter uma condenação. O estado costeiro deverá ter legislação apropriada, especificando claramente os diversos tipos de infracção e estabelecendo as penas adequadas. As coimas, as multas,  deverão ter um valor dissuasor.

Os interesses em jogo são muito grandes e levam à contratação dos melhores advogados, peritos em encontrar vulnerabilidades no sistema legal. Importa assim, investir também na formação jurídica dos agentes de fiscalização, procurando que os processos sejam elaborados correctamente, e que não se percam causas em tribunal por meras questões processuais.

  1. CONCLUSÃO

Vou terminar. Como julgo ter mostrado, a ZEE será assim um valor económico e uma fonte de empregos e riquezas. Contudo, a sua recolha sustentada implica muito trabalho, planeamento e coordenação.

É uma área onde se abrem oportunidades de parceria ou cooperação, onde uma língua comum e uma proximidade de cultura são facilitadores,  que se sublinham.

Será um investimento pesado, sem dúvida, mas que valerá a pena e dará muitos frutos. Se não for a nossa geração a colhê-los, será certamente a geração dos nossos filhos.


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